Necessários no sentido de riscar, traçar linhas que podem ser desenhos ou letras compondo uma ideia... ou mesmo os riscos que somos levados a correr durante a vida... Tanto os riscos/traços/letras quanto os riscos/viver/arriscar são necessários para a sobrevivência dos nossos sonhos, nosso ego, e até mesmos dos nossos fantasmas...


sábado, 14 de setembro de 2013

Melancólico aniversário


Já passava do meio-dia quando resolvi sair de casa para ver como estavam as comemorações na cidade. Afinal, 190 anos de história não são pouca coisa, não. Creio que merecíamos um grande abraço cidadão pelo aniversário da nossa urbe.

Aliás, Matozinhos talvez seja uma das poucas cidades do planeta com duas datas comemorativas de seu nascimento. Vinte e três de agosto e primeiro de janeiro. Mas, não é bem assim. Nossos mestres nos ensinaram que na data de 23 de agosto comemoramos a elevação de povoado a “freguesia”, termo que correspondia à condição do que hoje conhecemos como distrito. Então, aquele povoado que venerava o Senhor Bom Jesus passou a ser a “Freguesia do Senhor Bom Jesus de Matosinhos”, pertencente à fidelíssima Vila de Nossa Senhora do Carmo de Sabará. Já em 1º de janeiro, comemoramos a instalação do município, ou seja, sua independência política e administrativa, fato que se deu em 1944, definido por um decreto assinado pelo governador Benedito Valadares em 31 de dezembro de 1943. Eu disse “comemoramos”, mas na verdade não me lembro de nenhuma festa cívica ocorrida em “primeiros de janeiro”, talvez até pela ressaca do ano novo... Mas, tenho que dar um desconto também, pois minha memória é sofrível.

Em razão disso, faço sempre minhas reverências aos guardiões de nossa memória histórica. Lembro com muito carinho de Conceição Vieira, que não está mais entre nós, mas que foi companheira incansável no Conselho Municipal do Patrimônio Cultural e possuía importante acervo sobre nossa cidade. Antonio Vasconcelos e Cristiano Gomes são referências municipais no quesito histórias da terra, pois além de contribuírem constantemente em várias mídias locais com seus conhecimentos, são convidados pelas escolas para palestras, e ambos já têm publicações sobre o assunto. Também gosto muito de conversar sobre esses temas com Gonçalo Amarante e Fio de Colô, que contam suas lembranças de forma afiada e divertida. Mas, por que falo destas pessoas? Simplesmente porque suas reminiscências contam fatos de uma outra Matozinhos, bem diferente da de hoje. Não sou do tipo saudosista, que acredita que antigamente tudo era melhor. Mas entendo a necessidade de se conhecer o passado para se projetar o futuro. E é exatamente o futuro de nossa cidade que não me parece muito promissor...

Só como exemplo, outro dia abri as páginas de um jornal local e li sobre um bate-boca entre dois vereadores acerca do projeto de expansão do perímetro urbano na região do Cafezal. Parece brincadeira, mas estão desenterrando um projeto absurdo derrotado na gestão passada, que é estender o espaço urbano até a área rural chamada Cafezal. Se alguém procurou se informar, sabe que só o parcelamento daquela área em sítios já está comprometendo o aquífero local, imagina o que sobrevirá com a aprovação deste projeto infeliz. Além do mais, há nesta mesma matéria uma menção à possibilidade de construção de casas “germinadas” (sic), que explica o que está por trás do projeto: o puro interesse imobiliário, que se mostra ganancioso quando investe em ideias deste tipo. Casas geminadas são aquelas construções com paredes-meias, e só se justificam quando não há espaço disponível, o que definitivamente não é o caso daqui de Matozinhos. Isso não existe, é um retrocesso histórico absurdo. O que se vai criar são péssimas condições sociais para as famílias que irão morar neste lugar. Só que o material de propaganda vai vender o paraíso, né?! Parece que virou moda: com casas geminadas, o número de unidades se multiplica, a imobiliária se entope de ganhar dinheiro, a construtora “lava a égua” também e a família moradora que se dane.

Não faz muito tempo, voltando do bairro Cruzeiro, parei na rua Alvorada e, lá de cima, olhei para um conjunto que está sendo construído às margens da Avenida André Favalleli, no bairro da Estação. Tive a nítida impressão de que olhava para algum assentamento palestino na Cisjordânia. De longe, quase acreditei que eram casas geminadas... E aí, não tem desculpa: quem aprova esse tipo de projeto é o poder público, legislativo e executivo. São, sim, responsáveis pelas consequências futuras. E não precisamos ir longe. Será que quando foi aprovada a implantação de loteamentos urbanos na área do Carste aqui em Matozinhos, os gestores municipais da época não imaginavam que, com o adensamento populacional, haveria risco de contaminação do lençol freático de toda a região e possíveis entupimentos de dolinas, com suas desastrosas consequências ecológicas? Pois já estão acontecendo.
 
Mas, chega de falar de coisas sombrias. Voltemos ao aniversário da nossa cidade e ao meu passeio em busca de comemorações. Pois bem, quase não havia gente na rua; era uma sexta-feira, mas parecia um domingo em fim de tarde; aquela impressão de ressaca coletiva, de perder a final de uma Copa do Mundo. Me senti um pouco estrangeiro em minha própria terra natal. Aí, percebi que realmente não havia muito a comemorar.