Já
passava do meio-dia quando resolvi sair de casa para ver como estavam as
comemorações na cidade. Afinal, 190 anos de história não são pouca coisa, não.
Creio que merecíamos um grande abraço cidadão pelo aniversário da nossa urbe.
Aliás,
Matozinhos talvez seja uma das poucas cidades do planeta com duas datas
comemorativas de seu nascimento. Vinte e três de agosto e primeiro de janeiro. Mas,
não é bem assim. Nossos mestres nos ensinaram que na data de 23 de agosto
comemoramos a elevação de povoado a “freguesia”, termo que correspondia à
condição do que hoje conhecemos como distrito. Então, aquele povoado que
venerava o Senhor Bom Jesus passou a ser a “Freguesia do Senhor Bom Jesus de
Matosinhos”, pertencente à fidelíssima
Vila de Nossa Senhora do Carmo de Sabará. Já em 1º de janeiro, comemoramos
a instalação do município, ou seja, sua independência política e administrativa,
fato que se deu em 1944, definido por um decreto assinado pelo governador
Benedito Valadares em 31 de dezembro de 1943. Eu disse “comemoramos”, mas na
verdade não me lembro de nenhuma festa cívica ocorrida em “primeiros de
janeiro”, talvez até pela ressaca do ano novo... Mas, tenho que dar um desconto
também, pois minha memória é sofrível.
Em
razão disso, faço sempre minhas reverências aos guardiões de nossa memória
histórica. Lembro com muito carinho de Conceição Vieira, que não está mais
entre nós, mas que foi companheira incansável no Conselho Municipal do
Patrimônio Cultural e possuía importante acervo sobre nossa cidade. Antonio
Vasconcelos e Cristiano Gomes são referências municipais no quesito histórias
da terra, pois além de contribuírem constantemente em várias mídias locais com
seus conhecimentos, são convidados pelas escolas para palestras, e ambos já têm
publicações sobre o assunto. Também gosto muito de conversar sobre esses temas
com Gonçalo Amarante e Fio de Colô, que contam suas lembranças de forma afiada
e divertida. Mas, por que falo destas pessoas? Simplesmente porque suas
reminiscências contam fatos de uma outra Matozinhos, bem diferente da de hoje.
Não sou do tipo saudosista, que acredita que antigamente tudo era melhor. Mas
entendo a necessidade de se conhecer o passado para se projetar o futuro. E é exatamente
o futuro de nossa cidade que não me parece muito promissor...
Só
como exemplo, outro dia abri as páginas de um jornal local e li sobre um
bate-boca entre dois vereadores acerca do projeto de expansão do perímetro
urbano na região do Cafezal. Parece brincadeira, mas estão desenterrando um projeto
absurdo derrotado na gestão passada, que é estender o espaço urbano até a área
rural chamada Cafezal. Se alguém procurou se informar, sabe que só o
parcelamento daquela área em sítios já está comprometendo o aquífero local,
imagina o que sobrevirá com a aprovação deste projeto infeliz. Além do mais, há
nesta mesma matéria uma menção à possibilidade de construção de casas
“germinadas” (sic), que explica o que está por trás do projeto: o puro interesse
imobiliário, que se mostra ganancioso quando investe em ideias deste tipo.
Casas geminadas são aquelas construções com paredes-meias, e só se
justificam quando não há espaço disponível, o que definitivamente não é o caso
daqui de Matozinhos. Isso não existe, é um retrocesso histórico absurdo. O que
se vai criar são péssimas condições sociais para as famílias que irão morar
neste lugar. Só que o material de propaganda vai vender o paraíso, né?! Parece
que virou moda: com casas geminadas, o número de unidades se multiplica, a
imobiliária se entope de ganhar dinheiro, a construtora “lava a égua” também e
a família moradora que se dane.
Não
faz muito tempo, voltando do bairro Cruzeiro, parei na rua Alvorada e, lá de
cima, olhei para um conjunto que está sendo construído às margens da Avenida
André Favalleli, no bairro da Estação. Tive a nítida impressão de que olhava
para algum assentamento palestino na Cisjordânia. De longe, quase acreditei que
eram casas geminadas... E aí, não tem desculpa: quem aprova esse tipo de
projeto é o poder público, legislativo e executivo. São, sim, responsáveis
pelas consequências futuras. E não precisamos ir longe. Será que quando foi
aprovada a implantação de loteamentos urbanos na área do Carste aqui em
Matozinhos, os gestores municipais da época não imaginavam que, com o
adensamento populacional, haveria risco de contaminação do lençol freático de
toda a região e possíveis entupimentos de dolinas, com suas desastrosas
consequências ecológicas? Pois já estão acontecendo.
Mas, chega de falar de coisas sombrias. Voltemos
ao aniversário da nossa cidade e ao meu passeio em busca de comemorações. Pois
bem, quase não havia gente na rua; era uma sexta-feira, mas parecia um domingo
em fim de tarde; aquela impressão de ressaca coletiva, de perder a final de uma
Copa do Mundo. Me senti um pouco estrangeiro em minha própria terra natal. Aí,
percebi que realmente não havia muito a comemorar.