Não posso dizer que sou um tradicional frequentador da festa do Jubileu, mesmo porque multidões não me agradam muito, principalmente agora que já passei dos sessenta anos. Mas, por várias oportunidades participei de equipes de trabalho que organizaram e coordenaram essa festa, que é a mais importante no calendário do município. Alguma coisa a respeito eu conheço razoavelmente.
O Jubileu do Senhor
Bom Jesus é a expressão maior da nossa identidade cultural, o mais fidedigno
traço de nossas origens portuguesas, essa brava gente que aqui chegou em busca
da riqueza do ouro, trazendo em seus alforges muita coragem, esperança e acima
de tudo uma fé inquebrantável no Senhor de Matosinhos. E assim, trouxeram
também a festa do Jubileu, com sua base religiosa, mas com seus aspectos
profanos, que acontecem em todas as festas de Jubileu que se tem notícia. Assim
ela é há duzentos anos, creio que assim sempre será.
A festa em Portugal,
onde surgiu a lenda do Senhor de Matosinhos, ocorre no mês de maio e “é, há já muitos séculos, indiscutivelmente
uma das maiores e mais importantes manifestações da cultura popular do Entre‐Douro‐e‐Minho. Uma das mais famosas e concorridas romarias do
Norte de Portugal: as festas do Senhor de Matosinhos, que agora se iniciam, e
que, nos nossos dias, fazem passar pela Festa perto de um milhão de pessoas.
Trata‐se de um grande
acontecimento sacro mas, igualmente, de inegável impacto profano, com uma
programação alicerçada em fortíssimos apelos lúdicos, culturais, gastronômicos
e comerciais” (documento
de apresentação da imagem do Bom Jesus, restaurada em 2012).
Por todos os anos que
presenciei (e participei) da festa e de sua organização, vale o dito popular
que sentencia: “de boa intenção o inferno está cheio”. E não estou criticando
nenhum aspecto específico do evento neste ano, pois, apesar de morar no “olho
do furacão”, não vi nenhum problema que em outros anos não tenha acontecido,
algumas coisas até merecem elogios. A questão básica é que não se leva o
Jubileu a sério, não há planejamento de longo prazo, não há profissionalização
do evento. Há muito tempo, as várias administrações não dão a mínima
importância ao setor de turismo municipal; na verdade, quase ninguém acredita
em turismo aqui em Matozinhos. Ou seja, entra ano, sai ano e, infelizmente, continuamos
improvisando amadoristicamente o que poderia ser a festa cartão-postal da nossa
cidade.
E para quem ainda não conhece, a seguir reporto a lenda que deu origem a tudo isso.
A lenda do Senhor de
Matosinhos
Nicodemos,
fariseu convertido, testemunha do drama do Calvário e que juntamente com José
de Arimateia despregou o corpo de Cristo da cruz, teria esculpido diversas
imagens do Cristo Crucificado, impressionado com os acontecimentos que
presenciou. E, por causa das perseguições dos judeus e romanos, o próprio
escultor lançou as imagens ao mar, na Palestina, para salvá-las da profanação.
Assim, ao sabor das correntes marítimas, uma delas atravessa todo o
Mediterrâneo e chega ao oceano Atlântico, indo dar à costa norte de Portugal, na
praia do Espinheiro, hoje praia de Matosinhos. Era o dia 03 de maio do ano 124,
segundo século de nossa era, domingo do Espírito Santo ou de Pentecostes.
Recolhida
a imagem pela população, constatou-se a ausência de um dos braços. Foi levada
então para o Mosteiro de Bouças, e realizadas inúmeras tentativas para
substituição do membro perdido, mas sem lograr êxito. Cinquenta anos depois, no
ano de 174, nesta mesma região uma mulher que procurava lenha encontra uma peça
de madeira e a leva para casa. Ao tentar queimá-la, a peça se afastava do fogo
reiteradas vezes, até que a filha desta senhora lhe diz: “esta madeira é o braço que falta à imagem do Senhor Bom Jesus de
Bouças”. O detalhe é que a filha era, até então, muda. Assim, o braço foi
levado ao convento de Bouças e reintegrado com perfeição à escultura original
do Cristo, e a notícia daquele primeiro milagre se espalhou, inicialmente em
Portugal, e posteriormente por toda a península ibérica. É desde este
milagre que data a grande romaria ao Espírito Santo de Matosinhos.
Inicialmente
guardada no Mosteiro de Bouças, a imagem foi transferida no século XVI para a
igreja de Matosinhos e é considerada a mais antiga imagem, em tamanho natural,
do Cristo Crucificado existente em Portugal. Esta fama cruzou o Atlântico e deu origem no
Brasil a mais de 30 igrejas dedicadas ao Senhor de Matosinhos. Edgard de
Cerqueira Falcão, em A Basílica Senhor Bom Jesus de Congonhas do Campo (Brasiliensia
Documenta, 1962), fala dos imigrantes que vieram para o Brasil durante o
século XVIII com vistas nos garimpos de ouro das Gerais e da fé que os
acompanhava: “Por tal forma,
implantou-se entre as alterosas montanhas da Serra do Espinhaço e adjacências,
ardente culto ao Bom Jesus de Matosinhos, glorioso patrono, sobretudo, das
populações setentrionais da metrópole lusa." Dessa forma, nossa cidade recebeu a autorização
episcopal, em 30 de maio de 1774, para a construção da capela, que foi erguida
por Inácio Pires de Miranda, filial da Matriz de Roça Grande (Sabará). Em 1920,
o templo primitivo foi demolido e, em 1921, iniciou-se a construção da atual
igreja Matriz do Senhor Bom Jesus de Matozinhos.