Necessários no sentido de riscar, traçar linhas que podem ser desenhos ou letras compondo uma ideia... ou mesmo os riscos que somos levados a correr durante a vida... Tanto os riscos/traços/letras quanto os riscos/viver/arriscar são necessários para a sobrevivência dos nossos sonhos, nosso ego, e até mesmos dos nossos fantasmas...


terça-feira, 15 de março de 2016

120 Anos de Nascimento de Agripa Vasconcelos

Em abril será comemorado o 120º aniversário de nascimento do médico e escritor matozinhense Agripa Vasconcelos.
Segue abaixo o convite oficial.
Prestigiem.




Comentário sobre o livro COMER REZAR AMAR

Estava disposto a terminar a leitura do livro da Elizabeth Gilbert, “Comer-Rezar-Amar”, e foi bastante produtiva a viagem a BH no ônibus rodoviário, pois ele permite certos confortos, como a própria leitura, impossível em um lotação apinhado de gente, numa segunda-feira de manhã bem cedo. Então aproveitei e li bastante (apesar da catarata), terminando a leitura das últimas linhas em casa à noite.

Apesar de meio (às vezes, bastante) cansativo em algumas passagens, o livro é até delicado, principalmente ao final (capítulo Indonésia). A passagem por Roma, que é da fase do COMER, é bastante superficial, como não podia deixar de ser, pois o desejo inicial era uma espécie de descargo, de dar as costas aos problemas vividos nos EUA (divórcio, namoro mal resolvido etc.), uma catarse via gastronomia italiana e, intelectualmente, o exercício de aprendizado da língua local. O sentido que dou a “superficial” é pelo fato de que aquele primeiro momento é de uma espécie de “fuga”, preparando o caminho de “busca”, que começa na Índia, num “asrham” (ou coisa parecida), que é uma espécie de monastério budista da sua guru, conhecida em Nova Yorque. Pra quem gosta, é um “prato cheio”, com intermináveis exercícios de meditação, trabalhos braçais disciplinadores; mas o foco principal são as amizades feitas e as reflexões daí surgidas, que começam a realizar as transformações espirituais e (principalmente, acho eu) as mudanças psicológicas. Esse momento “indiano” é para mim o mais cansativo do livro, obviamente por questões teológico-ideológico, que vou tentando superar. Consigo entender, aceitar, mas assim mesmo continuam cansativos. Apesar de que, às vezes surgem informações sobre a cultura IOGA, bastante interessantes para tentar-se compreender o comportamento cultural e religioso daquele povo. Daí, vamos para a Indonésia.

Como o ápice da história está neste capítulo, o texto fica mais agradável, mais ágil, os personagens começam a surgir e o tratamento dedicado a eles é muito mais bem humorado. Parece até que numericamente são mais que nos outros dois capítulos. Mas esses são os personagens que vão tocá-la de forma mais profunda e ajudá-la de uma forma ou outra a operar as transformações espirituais que busca. O engraçado nesta leitura é que comecei a ficar de “saco cheio” com o texto, pois faltava ainda uma porrada de páginas e mais páginas (eu estava abrindo o capítulo da Indonésia) e resolvi trapacear com o livro: fui para o computador, entrei no site do Netflix, olhei para um lado e outro, dei aquela risadinha sarcástica e disse pra mim mesmo “vou terminar essa leitura agora”. E sapequei no monitor o filme com a Julia Roberts e o Javier Barden. Duas horas depois, fiquei com uma comunidade de “pulgas atrás das orelhas”... Na manhã seguinte, converso com minha filha Amanda (que também havia visto o filme e lido o livro) e ela iniciou a pontuação de uma série de detalhes, uns têm no filme e não no livro e vice-versa. Depois de alguns minutos, o livro, que já estava na “pasta de saídas”, voltou para a “pasta de entradas”. Foi ótimo, primeiro porque evitei a “trapaça”, que é uma picaretagem que deixa você “mal” (nunca se vai poder afirmar ou negar algo dos trechos não lidos); segundo, porque a leitura ficou agradável, os personagens tinham humor.

É compreensível que o filme tenha que explorar alguns artifícios comerciais para se vender(mas não precisa cair em dramalhões quase mexicanos, como a revelação do Richard do Texas sobre seu alcoolismo e separação da família; e a indecisão final da escritora em ficar ou não com o brasileiro, tratado com tanto drama – esses episódios são “vendidos” somente no filme. De qualquer forma, meu sentimento final é de uma obra com momentos bem chatos, cansativos (creio que a maioria das leitoras – e é um livro feminino – não deve ter tido essa mesma impressão, pois o livro vendeu pra caralho), mas muito bem escrito, muito profissional do ponto de vista editorial, traz muita informação sobre o universo espiritual de algumas culturas asiáticas e, principalmente, consegue ser um texto informativo, afetivo e essencialmente DELICADO. Creio que valeu a pena a leitura, apesar de ter tomado mais tempo que devia e da gozação que um colega me deu por estar lendo “livro de mulher”.

terça-feira, 11 de março de 2014

Histórias da República

Creio que já disse que não sou bom memorialista. Falta-me exatamente a precisa lembrança dos fatos e principalmente seus rigorosos detalhes. Sempre me ative mais ao geral e menos ao particular. Mesmo assim, às vezes arrisco-me reportar algumas passagens, principalmente as divertidas, que vira e mexe me vêm à recordação. Um desses episódios ocorreu no distante ano de 1970.
Aos dezoito anos, após terminar o curso científico, fui pra BH estudar Belas Artes, na Escola Guignard, e fazia o cursinho pré-vestibular Pitágoras à noite. Financiado pelo meu irmão Noca (Zé Zwinglio), fui morar em uma “república de estudantes” na rua Araxá, no alto do Colégio Batista, no bairro Floresta. Era um apartamento que pertencia aos irmãos Márcio (Bebê) e Marcelo Alves, ambos também de Matozinhos. Bebê era funcionário do Consulado Português em BH e Marcelo trabalhava numa agência do antigo Bemge na capital mineira. A república funcionava como uma espécie de “embaixada de Matozinhos e região” e era estratégica, pois ficava em um bairro muito próximo ao centro da cidade, permitindo uma bela economia, na medida em que fizéssemos o trajeto ao centro da cidade a pé. Afinal, estudante sempre foi “quebrado”... Além dos irmãos proprietários do imóvel, morávamos lá eu, Noca (Zé Zwinglio) meu irmão, que estudava engenharia civil e dava aulas de matemática em Vespasiano; Rubinho (hoje, Dr. Rubens Oliveira) fazia o curso de medicina; Romeusinho, filho de Romeu do Cinema, estudava engenharia elétrica; Laerte Benedito, mais conhecido como “Dito de Laerte”, também era aluno da engenharia, prematuramente falecido. Eventualmente, eu diria raramente, apareciam ainda o Fraga, de Capim Branco, estudante de medicina, e o Zé do Prado, de Mocambeiro, da turma da engenharia. A gente mal se via, cada um tinha seus compromissos e seus horários diferenciados.
Minha rotina era: de manhã na escola de Belas Artes, de tarde na república e à noite no cursinho. Certa tarde, logo após o almoço, me aparece no apartamento, esbaforido e todo apressado, o Beto, irmão de Cristiano Gomes, colega no científico e estudante de Belas Artes na Federal. Nessa época, ele ainda morava em Matozinhos e viajava todo dia pra estudar em BH. Chegou ofegante e foi logo dizendo: “se arruma rápido que eu descobri um filmão pra gente ver agora de tarde, lá no centro da cidade!” Eu disse: “calma, Beto, tem tempo... eu ainda vou lavar as panelas do almoço, que hoje essa tarefa sobrou pra mim...”. E ele: “tá bão, eu te ajudo na cozinha, pra gente andar mais depressa, senão vamos perder essa chance.” Daí que eu perguntei: “mas que filme é esse, afinal de contas?” Ele olhou desconfiado para um lado e para o outro, franziu as sobrancelhas, baixou o tom de voz e falou em suspense: “é um filme erótico, mas não é qualquer um, não! É uma produção internacional em cinemascope, colorido, acho até que é filme sueco”... “Uau – eu falei – então vamos acelerar!”.
Entretanto, cabe aqui uma explicação, ou melhor, uma contextualização: falar em licenciosidades naqueles tempos era algo que só devia ser feito às escondidas, nas sombras. Imagine os anos 1970, com toda a censura e a moral ultraconservadora da ditadura militar definindo o que podia e o que não podia ser feito, ouvido, lido ou visto. De outro lado, pense em dois adolescentes recém-chegados do interior e loucos para conhecer e conquistar os “segredos e prazeres” da grande cidade... E não havia material de conteúdo lascivo ou libidinoso, impresso ou em filme, disponível em quase nenhum lugar público (livrarias, bancas, cinemas etc.), era preciso conhecer algum “fornecedor” de confiança... Hoje, num tablet ou qualquer smartphone, basta apertar uma tecla e você consegue o que quiser. Não tem nem graça, mas naqueles tempos...
Portanto, era uma oportunidade imperdível. Apressamos a arrumação da cozinha e desabalamos rua Araxá acima até o ponto de ônibus da rua Ponte Nova. Entramos no primeiro lotação do Colégio Batista e descemos até o centro. O cinema era na rua Guajajaras, continuação da avenida Carandaí, quase esquina com a Afonso Pena, e a sessão começaria às 14 horas. Chegamos quase em cima da hora, corremos à bilheteria, compramos os ingressos e, ato contínuo, entramos na sala de projeção. As luzes ainda estavam acesas, pessoas entrando e ocupando seus lugares, nós escolhemos dois assentos em posição estratégica, bem no centro da sala diante daquele imenso telão. Ficamos aguardando até que a iluminação interna começou a ser desligada, a musiquinha de fundo silenciou e o suspense foi aumentando. Nós olhávamos o público cada vez maior e a tensão crescia. De repente, algo começou a ficar meio estranho. Cutuquei o Beto e mostrei pra ele que, em fileiras mais atrás na sala, acabavam de chegar duas senhoras bem aparentadas e “razoavelmente” idosas. Nos olhamos e ele disse: “safadeza não tem idade, uai”. Rimos e a luz apagou. Com a sala totalmente escura, foi iniciada a projeção; após os anúncios comerciais, traillers de filmes etc., uma cena inusitada surge no telão: uma lenta e sensual cópula entre um casal de leões em plena savana africana. E, sobre aquele espetáculo “erótico”, desenrolou-se uma lista de nomes de especialistas em educação sexual, recheada de doutores em tais e quais especialidades médicas etc.
Olhei pra cara do Beto, que quase arrebentou em uma risada, mas se conteve. Fomos saindo meio de esgueira, pedindo licença aos cinéfilos da educação sexual e escapulimos sorrateiramente até a porta de saída. Lá fora, na rua, não teve jeito, explodimos em gargalhadas, de tal modo que os transeuntes deviam estar se perguntando que boa piada teríamos ouvido.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Como disse o Ziraldo: “E NO RIRÓ”?

Devo admitir que ultimamente andei meio ranzinza nos textos deste blog. Falei dos riscos de desaparecimento de nosso patrimônio arqueológico e paleontológico; denunciei a falta de educação e a agressividade gratuita de muitos internautas em suas conversas online, enfim, fiquei sério demais. Mas, faço aqui minha mea culpa. E vou relaxar um pouco, tratando hoje de um tema bem mais leve.
Consultando velhos alfarrábios, deparei com um recorte de jornal interessante: uma nota no lendário “O Pasquim”, edição no 123, de novembro de 1971, que falava de um tal “Dicionário da Língua Familiar – ou Grupal – Brasileira” que o cartunista Ziraldo estava tentando organizar a partir de contribuições dos leitores. E eu, na época com 19 anos, enviei ao Pasquim uma expressão divertida e muito usada aqui em Matozinhos e em Capim Branco, município pertinho daqui, onde ela nasceu: “e no riró?”. No texto eu expliquei como surgiu a expressão e as variações que apareceram em seguida. Abaixo, reproduzo parte da nota com a explicação:
“Diz o Zé que a palavra já é de uso corrente em sua cidade e em Capim Branco, lá por perto, onde a palavra nasceu. Diz que tava um jogo de futebol muito quente e resolveram tirar um jogador do time pro dono do time entrar no lugar dele.

Ninguém topou sair. O último e mais fraquinho, tava ali, num canto, doido pra ninguém notar ele, quando o técnico falou: ‘Sai você!’
E ele respondeu: ‘Ah, é. E no RIRÓ, não vai nada?’
Ninguém entendeu, mas ele não saiu.
Hoje, a palavra já está cheia de corruptelas pela região: ariró, orirol; riras, rirostática (ciência que es­tuda os movimentos do RIRÓ), riro­logia, etc.
Só tem um detalhe: riró se pro­nuncia com o primeiro R tendo o som que os R têm, quando estão en­tre vogais. A gente tem que dar uma enroladinha na língua antes de co­meçar a pronunciar a palavra. Não tem jeito de escrever a palavra em português com seu som exato, a não ser que você faça este aviso antes. É um riró pra conferir. - (Ziraldo)”
E o que não faltava naqueles tempos era gente pra divulgar a expressão; pra todo lado se ouvia o “clássico” E NO RIRÓ?.
Alguns anos depois, surgiu em Belo Horizonte na extinta TV Itacolomi um programa de auditório chamado “Mineiros Frente a Frente”, onde eram confrontadas equipes representantes das cidades mineiras, que cumpriam tarefas de toda ordem para angariar pontos e vencer o certame. As tarefas variavam desde um concurso da representante mais bonita da cidade a curiosidades locais, passando por apresentações de dança etc. O programa era transmitido pela TV para toda Minas Gerais. As disputas aconteciam nos fins de semana e eram eliminatórias, cada cidade que vencia uma etapa se classificava para a seguinte, a que perdia voltava pra casa. Era o típico campeonato mata-mata.
 Matozinhos ficou famoso com o grupo folclórico português que Cristiano Gomes ensaiava com crianças e adolescentes (essas “crianças” devem estar hoje com seus cinquenta anos, mais ou menos...). O grupo folclórico era uma espécie de tira-teima. Quer dizer, se a disputa tava apertada, era só chamar Cristiano com os meninos do folclore que ele resolvia a parada a nosso favor. E não havia quem resistisse ao talento daquela turma. Matozinhos ia rompendo na competição, derrubando adversários pequenos e grandes, até que um dia foi anunciado que enfrentaríamos a cidade de Caratinga, que tinha entre seus representantes famosos ninguém menos que o cartunista Ziraldo.
No dia da disputa, a delegação de Matozinhos seguiu para Beagá em vários ônibus, que levavam além dos participantes do programa uma grande torcida organizada. Chegando ao edifício do auditório, as delegações praticamente se encontram, o clima é de tensão total. João Alves, presente no evento, é que me contou sobre o episódio: as turmas de Matozinhos e Caratinga, cara a cara, todo mundo nervoso com a expectativa. De repente, no meio daquela profusão de gente, aparece o Ziraldo com um enorme sorriso no rosto e saúda a nossa delegação com um sonoro e retumbante “Eh, Matozinhos, E NO RIRÓ?”. Era a senha para desarmar os espíritos. A partir daí, houve a maior confraternização entre todos, era como se os competidores das duas cidades fossem velhos amigos.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A pré-história de Minas Gerais pode diluir-se na fumaça de uma chaminé


Reiteradamente volto ao tema do nosso patrimônio cultural. Sei que não sou uma voz isolada, mas aproveito o blog para ampliar o espaço de discussão deste assunto. Na edição do bimestre novembro-dezembro de 2004 do extinto jornal impresso “Ecos”, publiquei uma matéria sobre o livro “O patrimônio arqueológico da região de Matozinhos – CONHECER PARA PROTEGER, de autoria da arqueóloga e historiadora Alenice Baeta em parceria com o professor André Prous, do Departamento de Sociologia e Antropologia da FAFICH-UFMG, com fotografias de Ézio Rubbioli, espeleólogo do Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas. Sob o título “Um tesouro escondido”, o texto explicava o conteúdo da publicação: uma síntese das pesquisas arqueológicas da região calcária de Lagoa Santa, de Lund a Walter Neves, passando entre outros por Annette Laming-Emperaire, numa linguagem simples e didática, esclarecendo e informando sobre um assunto ainda pouco valorizado pelos órgãos de planejamento do município e praticamente desconhecido do grande público. Enfim, são 132 páginas de uma obra-prima editorial, com cuidadoso projeto gráfico, belas fotografias e excelentes ilustrações, que deveria ser um dos livros de cabeceira de quem se interessa pelo tema.
Além deste, há outros que poderão ajudar a compreender o grande valor da região de Matozinhos para a arqueologia, a paleontologia e a antropologia brasileira e mundial, e a entender a necessidade de proteção e preservação das nossas cavernas e sítios arqueológicos. De fácil leitura, cito estes dois: “Lapa das Boleiras – Um Sítio Paleoíndio do Carste de Lagoa Santa, MG, Brasil, de Astolfo Araújo e Walter Neves; e “O Povo de Luzia – em busca dos primeiros americanos, dos professores e pesquisadores Walter Alves Neves e Luís Beethoven Piló. Quem ainda não leu estes livros, creio que poderá encontrá-los para empréstimo na Biblioteca Pública Municipal Professor João Batista Teixeira, no Palácio da Cultura, em Matozinhos.
Voltando um pouco no tempo, ex-alunos do Colégio Bento Gonçalves, eu e João Pezzini realizamos naquela instituição uma exposição sob o título “As Grutas de Matozinhos – importância e preservação. A data: outubro de 1980, portanto há 33 anos. Num tempo em que a palavra ecologia soava como neologismo e quase ninguém conhecia seu significado, já estávamos discutindo e tornando públicas nossas preocupações com este acervo cultural do município. Além de fotos impressas, ilustrações e quadros explicativos, fizemos a montagem do que à época era chamado de “audiovisual”, ou seja, uma coleção de slides projetados numa determinada sequência acompanhados de sonorização com músicas e textos. Hoje isso poderia ser feito em poucas horas com um powerpoint em qualquer computadorzinho, entretanto, naqueles anos, esse processo era caro, exigia equipamentos sofisticados e laboratórios de imagem e som. Mas, demos nosso recado. O “audiovisual” apresentava fotos dos sítios arqueológicos e seus paineis rupestres com grande preocupação didática e estética, ao mesmo tempo em que pontuava as chaminés de indústrias que calcinavam as pedreiras, numa óbvia alusão ao risco de desaparecimento que aqueles bens patrimoniais corriam. Ao final, o último slide projetava uma sentença, “desenhada” na face de uma pedra qual uma pintura rupestre, que afirmava: “A pré-história de Minas Gerais pode diluir-se na fumaça de uma chaminé”.
Mesmo se retirarmos o tom dramático da frase, ela ainda continuará sendo válida, o risco ainda pode existir, razão pela qual insistimos na necessidade de aumentarmos o número e o universo de interlocutores. Assim, creio que se deveria dar mais publicidade ao projeto “Terra de Luzia”, do Colégio Bento Gonçalves, ampliar suas informações para além do âmbito exclusivamente escolar, buscando atingir de forma didática toda a comunidade. Também acho interessante socializar, através dos meios de comunicação, as ações e propósitos do Ecomuseu do Carste, para que toda a sociedade o conheça, acompanhe e legitime seu trabalho. Ao mesmo tempo, o poder público municipal, legislativo, judiciário e executivo, através de suas autoridades, precisa ter ciência do potencial de desenvolvimento deste setor, principalmente com as oportunidades que se anunciam como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, e somar esforços no sentido de pressionar o governo estadual na implantação do Parque Estadual de Cerca Grande.
Este é um passo fundamental para que Matozinhos faça parte da chamada “Rota Lund”, programa turístico mineiro dentro do Circuito das Grutas, e possa garantir a preservação daquele sítio arqueológico, além de promover o desenvolvimento turístico municipal de forma sustentável.
A propósito de sítios arqueológicos, João Pezzini me falou a respeito de um projeto de pesquisa arqueológica nas ruínas da fazenda Bom Jardim, que pertenceu à sua família e hoje é propriedade da Lafarge. Mas, este assunto fica para uma próxima postagem.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

A propósito de “uma noite em 67”


Recentemente, recebi de um amigo um e-mail recomendando assistir ao documentário “Uma Noite em 67”, dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil no ano de 2010. A partir de imagens de arquivo da Rede Record e depoimentos de alguns participantes como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros mais, o filme apresenta a final do “3º Festival da Música Popular Brasileira”, era a noite de 21 de outubro de 1967 (coincidentemente, estou escrevendo este comentário em 21 de outubro de 2013, exatos 46 anos após).
Este festival ficou famoso principalmente pelo aparecimento em cena da Tropicália, capitaneada por Caetano e Gil que criaram um contraponto radical apresentando-se acompanhados por bandas de rock (Os Mutantes) e toda sua parafernália eletrônica. Isto era uma heresia, pois aquele se tratava de um festival de MPB. Episódio também famoso foi protagonizado por Sérgio Ricardo, que quebrou uma viola no palco e a arremessou para a platéia quando foi vaiado durante a (tentativa de) apresentação da sua música “Beto Bom de Bola”.

 
Vencido por Edu Lobo, que interpretou a canção “Ponteio” com a cantora Marília Medalha, este Festival foi um marco importante na música brasileira, quando despontaram nomes que se tornaram grandes ídolos musicais até hoje, e ocorreu em um tempo de ditadura militar e radicalismos maniqueístas de toda ordem. Vale a pena acessar o documentário no YouTube e rever (para quem for da minha geração e acompanhou ao vivo) ou conhecer as cenas, algumas até muito curiosas de bastidores e suas entrevistas.
Feito o convite, vamos ao segundo ponto. Após asssistir ao filme, tive a curiosidade de ler alguns comentários no site do YouTube. Aí começou minha indignação, pois a gente constata imediatamente, e mais uma vez, a grande banalização da violência. Na rua, a facilidade com que se mata, e pelos motivos mais fúteis, é veiculada toda noite nos jornais da TV, mas a gente sempre tem a esperança de que em um espaço para reflexão intelectual (pelo menos espera-se que este seja – um documentário cultural veiculado no YouTube), a argumentação tenha bases bem fundadas e a linguagem seja, no mínimo, respeitosa, visto que nem sempre se conhece as pessoas com quem dialogamos online. Triste e ingênua esperança. Sem querer aprofundar, reproduzo dois rápidos exemplos (partes do texto) dessa agressividade gratuita e argumentação puramente emocional; também omito os nomes dos autores, mesmo porque um deles utiliza pseudônimo e outro usa o desenho de focinho de um animal no lugar da foto de seu rosto.
O primeiro se expressa assim: “Q BOM PRA VC Q GOSTA DE TUDO, PRA MIM ISSO SE CHAMA FALTA DE PERSONALIDADE, TODOS TEM O DIREITO SIM DE GOSTAR ´´A´´ E NAO GOSTAR DE ´´B´´ E SE MANIFESTAR. MINHA CRITICA NAO FOI PARA QUEM OUVI OU ASSISTI OU LE, CADA UM ALIMENTA SEU CEREBRO COMO QUISER, MINHA CRITICA FOI EM CIMA DE FATOS Q ´´EU´´ VEJO, ESCUTO E ASSISTO, E VEJO Q HOJE O Q E ´´BOM´´ E FUTIL, VAZIO, VULGAR E DESCARTAVEL. AO CONTRARIO DE VC, EU NAO SOU UFANISTA E NAO GOSTO DESTA MAIORIA DE LIXO FABRICADO PELA MIDIA PRA VENDER!!!” (sic). Uma verborragia apressada e em letras maiúsculas (imagino que assim ele pensa que vai assustar alguém ou parecer que está gritando), com abreviações do “internetês” que, no final, mascaram um texto arrogante, pois faz afirmações sem um bom arrazoado, e é nitidamente mal escrito.
Mais adiante, um outro internauta explode imprecações de uma agressividade como ainda não tinha visto neste espaço cibernético: “...além do mais o compromisso do artista é com seu público e não com ideologias vagabundas de terceiro mundo. Além de tudo tú é burro. Pra eu descer a lenha em imbecís como vc eu não preciso elogiar. È só descer. Pra mim quem admira CANALHAS, CANALHA É!!” (sic). Este dispensa comentários...
E não precisamos ir muito longe para encontrar a dupla agressividade gratuita e argumentação emocional. O tão e quase sempre simpático facebook está recheado de exemplos de pessoas (algumas até conhecidas) que exprimem suas opiniões de forma não muito elogiosa quando se referem principalmente aos representantes do povo estabelecidos no executivo ou no legislativo. Parece que com o judiciário há um certo respeito (ou temor mesmo). Outro dia, li no facebook o comentário de um morador da nossa cidade referindo-se aos funcionários da prefeitura de Matozinhos como os “muares”. Não conheço o cidadão, não sei de suas façanhas e valentias, mas fiquei pensando se, cara a cara, ele seria tão “criativo” e corajoso. Vai que seu desafeto seja mais pesado que ele e não goste de levar desaforo pra casa... Aí, há o risco de o ofendido sapecar-lhe um belo e sonoro sopapo ao pé do ouvido. Nesse momento, nenhum facebook, youtube, google, orkut, gmail ou coisa do gênero vai protegê-lo.
Infelizmente, há muitas pessoas que ainda se escondem sob pseudônimos ou mascaram seus rostos em caricaturas para se sentirem livres e protegidas para desancar seus adversários, inimigos ou quem quer seja, sem o risco de serem também agredidos. A esta atitude dá-se o nome de covardia. E o curioso é que este fenômeno é bem uma característica do momento que vivemos, propiciado pelo avanço tecnológico, pela democratização do ciberespaço, pela ampliação das redes sociais. E as redes sociais são de todos, inclusive dos covardes.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Jubileu do Bom Jesus, nossa festa maior


Não posso dizer que sou um tradicional frequentador da festa do Jubileu, mesmo porque multidões não me agradam muito, principalmente agora que já passei dos sessenta anos. Mas, por várias oportunidades participei de equipes de trabalho que organizaram e coordenaram essa festa, que é a mais importante no calendário do município. Alguma coisa a respeito eu conheço razoavelmente.
O Jubileu do Senhor Bom Jesus é a expressão maior da nossa identidade cultural, o mais fidedigno traço de nossas origens portuguesas, essa brava gente que aqui chegou em busca da riqueza do ouro, trazendo em seus alforges muita coragem, esperança e acima de tudo uma fé inquebrantável no Senhor de Matosinhos. E assim, trouxeram também a festa do Jubileu, com sua base religiosa, mas com seus aspectos profanos, que acontecem em todas as festas de Jubileu que se tem notícia. Assim ela é há duzentos anos, creio que assim sempre será.
A festa em Portugal, onde surgiu a lenda do Senhor de Matosinhos, ocorre no mês de maio e “é, há já muitos séculos, indiscutivelmente uma das maiores e mais importantes manifestações da cultura popular do EntreDouroeMinho. Uma das mais famosas e concorridas romarias do Norte de Portugal: as festas do Senhor de Matosinhos, que agora se iniciam, e que, nos nossos dias, fazem passar pela Festa perto de um milhão de pessoas. Tratase de um grande acontecimento sacro mas, igualmente, de inegável impacto profano, com uma programação alicerçada em fortíssimos apelos lúdicos, culturais, gastronômicos e comerciais” (documento de apresentação da imagem do Bom Jesus, restaurada em 2012).



Por todos os anos que presenciei (e participei) da festa e de sua organização, vale o dito popular que sentencia: “de boa intenção o inferno está cheio”. E não estou criticando nenhum aspecto específico do evento neste ano, pois, apesar de morar no “olho do furacão”, não vi nenhum problema que em outros anos não tenha acontecido, algumas coisas até merecem elogios. A questão básica é que não se leva o Jubileu a sério, não há planejamento de longo prazo, não há profissionalização do evento. Há muito tempo, as várias administrações não dão a mínima importância ao setor de turismo municipal; na verdade, quase ninguém acredita em turismo aqui em Matozinhos. Ou seja, entra ano, sai ano e, infelizmente, continuamos improvisando amadoristicamente o que poderia ser a festa cartão-postal da nossa cidade.



A importância do Jubileu no âmbito da cultura popular é reconhecido oficialmente pelo seu registro como Patrimônio de Natureza Imaterial, indicado no Inventário de Proteção do Acervo Cultural – IPAC do município. Este documento caracteriza-o como “a festa mais tradicional e mais representativa do município”. Em outras palavras, a comunidade, através do seu Conselho Municipal do Patrimônio Cultural, reconhece o Jubileu como um dos seus maiores patrimônios imateriais, e este é o primeiro passo para seu “tombamento”. Falta esse reconhecimento por parte das administrações municipais. E constituirá um marco histórico a administração que, de fato, ousar investir de verdade e dar tratamento profissional ao nosso maior evento religioso e cultural.



E para quem ainda não conhece, a seguir reporto a lenda que deu origem a tudo isso.

A lenda do Senhor de Matosinhos
Nicodemos, fariseu convertido, testemunha do drama do Calvário e que juntamente com José de Arimateia despregou o corpo de Cristo da cruz, teria esculpido diversas imagens do Cristo Crucificado, impressionado com os acontecimentos que presenciou. E, por causa das perseguições dos judeus e romanos, o próprio escultor lançou as imagens ao mar, na Palestina, para salvá-las da profanação. Assim, ao sabor das correntes marítimas, uma delas atravessa todo o Mediterrâneo e chega ao oceano Atlântico, indo dar à costa norte de Portugal, na praia do Espinheiro, hoje praia de Matosinhos. Era o dia 03 de maio do ano 124, segundo século de nossa era, domingo do Espírito Santo ou de Pentecostes.
Recolhida a imagem pela população, constatou-se a ausência de um dos braços. Foi levada então para o Mosteiro de Bouças, e realizadas inúmeras tentativas para substituição do membro perdido, mas sem lograr êxito. Cinquenta anos depois, no ano de 174, nesta mesma região uma mulher que procurava lenha encontra uma peça de madeira e a leva para casa. Ao tentar queimá-la, a peça se afastava do fogo reiteradas vezes, até que a filha desta senhora lhe diz: “esta madeira é o braço que falta à imagem do Senhor Bom Jesus de Bouças”. O detalhe é que a filha era, até então, muda. Assim, o braço foi levado ao convento de Bouças e reintegrado com perfeição à escultura original do Cristo, e a notícia daquele primeiro milagre se espalhou, inicialmente em Portugal, e posteriormente por toda a península ibérica. É desde este milagre que data a grande romaria ao Espírito Santo de Matosinhos.
Inicialmente guardada no Mosteiro de Bouças, a imagem foi transferida no século XVI para a igreja de Matosinhos e é considerada a mais antiga imagem, em tamanho natural, do Cristo Crucificado existente em Portugal. Esta fama cruzou o Atlântico e deu origem no Brasil a mais de 30 igrejas dedicadas ao Senhor de Matosinhos. Edgard de Cerqueira Falcão, em A Basílica Senhor Bom Jesus de Congonhas do Campo (Brasiliensia Documenta, 1962), fala dos imigrantes que vieram para o Brasil durante o século XVIII com vistas nos garimpos de ouro das Gerais e da fé que os acompanhava: Por tal forma, implantou-se entre as alterosas montanhas da Serra do Espinhaço e adjacências, ardente culto ao Bom Jesus de Matosinhos, glorioso patrono, sobretudo, das populações setentrionais da metrópole lusa." Dessa forma, nossa cidade recebeu a autorização episcopal, em 30 de maio de 1774, para a construção da capela, que foi erguida por Inácio Pires de Miranda, filial da Matriz de Roça Grande (Sabará). Em 1920, o templo primitivo foi demolido e, em 1921, iniciou-se a construção da atual igreja Matriz do Senhor Bom Jesus de Matozinhos.