Recentemente, recebi de um amigo um
e-mail recomendando assistir ao documentário “Uma Noite em 67”, dirigido por
Renato Terra e Ricardo Calil no ano de 2010. A partir de imagens de arquivo da
Rede Record e depoimentos de alguns participantes como Chico Buarque, Caetano
Veloso, Gilberto Gil e outros mais, o filme apresenta a final do “3º Festival
da Música Popular Brasileira”, era a noite de 21 de outubro de 1967
(coincidentemente, estou escrevendo este comentário em 21 de outubro de 2013,
exatos 46 anos após).
Este festival ficou famoso
principalmente pelo aparecimento em cena da Tropicália, capitaneada por Caetano
e Gil que criaram um contraponto radical apresentando-se acompanhados por
bandas de rock (Os Mutantes) e toda sua parafernália eletrônica. Isto era uma
heresia, pois aquele se tratava de um festival de MPB. Episódio também famoso
foi protagonizado por Sérgio Ricardo, que quebrou uma viola no palco e a
arremessou para a platéia quando foi vaiado durante a (tentativa de)
apresentação da sua música “Beto Bom de Bola”.
Vencido por Edu Lobo, que interpretou
a canção “Ponteio” com a cantora Marília Medalha, este Festival foi um marco
importante na música brasileira, quando despontaram nomes que se tornaram
grandes ídolos musicais até hoje, e ocorreu em um tempo de ditadura militar e
radicalismos maniqueístas de toda ordem. Vale a pena acessar o documentário no
YouTube e rever (para quem for da minha geração e acompanhou ao vivo) ou
conhecer as cenas, algumas até muito curiosas de bastidores e suas entrevistas.
Feito o convite, vamos ao segundo
ponto. Após asssistir ao filme, tive a curiosidade de ler alguns comentários no
site do YouTube. Aí começou minha indignação, pois a gente constata
imediatamente, e mais uma vez, a grande banalização da violência. Na rua, a
facilidade com que se mata, e pelos motivos mais fúteis, é veiculada toda noite
nos jornais da TV, mas a gente sempre tem a esperança de que em um espaço para
reflexão intelectual (pelo menos espera-se que este seja – um documentário cultural veiculado no YouTube), a argumentação
tenha bases bem fundadas e a linguagem seja, no mínimo, respeitosa, visto que nem
sempre se conhece as pessoas com quem dialogamos online. Triste e ingênua esperança. Sem querer aprofundar,
reproduzo dois rápidos exemplos (partes do texto) dessa agressividade gratuita
e argumentação puramente emocional; também omito os nomes dos autores, mesmo
porque um deles utiliza pseudônimo e outro usa o desenho de focinho de um
animal no lugar da foto de seu rosto.
O primeiro se expressa assim: “Q BOM PRA VC Q GOSTA DE TUDO, PRA MIM ISSO
SE CHAMA FALTA DE PERSONALIDADE, TODOS TEM O DIREITO SIM DE GOSTAR ´´A´´ E NAO
GOSTAR DE ´´B´´ E SE MANIFESTAR. MINHA CRITICA NAO FOI PARA QUEM OUVI OU
ASSISTI OU LE, CADA UM ALIMENTA SEU CEREBRO COMO QUISER, MINHA CRITICA FOI EM
CIMA DE FATOS Q ´´EU´´ VEJO, ESCUTO E ASSISTO, E VEJO Q HOJE O Q E ´´BOM´´ E
FUTIL, VAZIO, VULGAR E DESCARTAVEL. AO CONTRARIO DE VC, EU NAO SOU UFANISTA E
NAO GOSTO DESTA MAIORIA DE LIXO FABRICADO PELA MIDIA PRA VENDER!!!” (sic).
Uma verborragia apressada e em letras maiúsculas (imagino que assim ele pensa
que vai assustar alguém ou parecer que está gritando), com abreviações do
“internetês” que, no final, mascaram um texto arrogante, pois faz afirmações
sem um bom arrazoado, e é nitidamente mal escrito.
Mais adiante, um outro internauta
explode imprecações de uma agressividade como ainda não tinha visto neste
espaço cibernético: “...além do mais o
compromisso do artista é com seu público e não com ideologias vagabundas de
terceiro mundo. Além de tudo tú é burro. Pra eu descer a lenha em imbecís como
vc eu não preciso elogiar. È só descer. Pra mim quem admira CANALHAS, CANALHA
É!!” (sic). Este dispensa comentários...
E não precisamos ir muito longe para
encontrar a dupla agressividade gratuita e argumentação emocional. O tão e quase
sempre simpático facebook está recheado de exemplos de pessoas (algumas até
conhecidas) que exprimem suas opiniões de forma não muito elogiosa quando se
referem principalmente aos representantes do povo estabelecidos no executivo ou
no legislativo. Parece que com o judiciário há um certo respeito (ou temor
mesmo). Outro dia, li no facebook o comentário de um morador da nossa cidade
referindo-se aos funcionários da prefeitura de Matozinhos como os “muares”. Não
conheço o cidadão, não sei de suas façanhas e valentias, mas fiquei pensando
se, cara a cara, ele seria tão “criativo” e corajoso. Vai que seu desafeto seja
mais pesado que ele e não goste de levar desaforo pra casa... Aí, há o risco de
o ofendido sapecar-lhe um belo e sonoro sopapo ao pé do ouvido. Nesse momento,
nenhum facebook, youtube, google, orkut, gmail ou coisa do gênero vai
protegê-lo.
Infelizmente, há muitas pessoas que ainda se
escondem sob pseudônimos ou mascaram seus rostos em caricaturas para se
sentirem livres e protegidas para desancar seus adversários, inimigos ou quem
quer seja, sem o risco de serem também agredidos. A esta atitude dá-se o nome
de covardia. E o curioso é que este fenômeno é bem uma característica do
momento que vivemos, propiciado pelo avanço tecnológico, pela democratização do
ciberespaço, pela ampliação das redes sociais. E as redes sociais são de todos,
inclusive dos covardes.